Acompanhamento terapêutico com crianças
contribuições de Winnicott para a atenção psicossocial
Resumo
Este trabalho busca analisar a clínica do Acompanhamento Terapêutico (AT) com crianças no contexto da atenção psicossocial, a partir de conceitos da teoria psicanalítica de Donald Winnicott. A saúde mental, como objeto de estudo e intervenção da medicina, psicologia e psicanálise, assim como questão político-social, tem sido vista e revista através de diversos ângulos ao longo dos tempos. A partir do movimento da Reforma Psiquiátrica, a política de saúde mental no Brasil, que possuía tendências à exclusão, se transformou numa proposta sustentada nos princípios antimanicomiais e focada, principalmente, na atenção e reabilitação psicossocial. Um dos mais importantes resultados deste movimento foi a criação de serviços substitutivos, especialmente os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Porém, a assistência a crianças e adolescentes que sofrem com transtorno mental continua precária e escassa, em comparação com os serviços oferecidos ao público adulto, apesar de efetivos avanços com a criação dos Centros de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi). O AT surge nesse contexto, como uma modalidade de intervenção que tem por objetivo promover a reinserção psicossocial de sujeitos em sofrimento mental. O AT enquadra-se na clínica do ‘fora’, para além dos muros institucionais, aproveitando qualquer lugar como espaço de tratamento. Nessa clínica, a cidade, e não mais os asilos, passa a ser o espaço de experiência e acompanhamento da loucura, acontecendo na cidade, na interface estabelecida na relação entre o acompanhante, o acompanhado e o espaço público. Através de pesquisa bibliográfica, o presente estudo visa analisar a clínica do AT com crianças, buscando conceituar e descrever esta proposta de prática no campo da saúde mental, examinando sua relação com os princípios da Reforma Psiquiátrica e da atenção psicossocial. Pretende, ainda, articular a prática do AT a conceitos da teoria de Winnicott, discutindo suas possibilidades como estratégia clínica no tratamento oferecido a crianças nos CAPSi. Os resultados evidenciam a relação histórica do AT com o movimento da Reforma Psiquiátrica e com a proposta de ressocialização na atenção psicossocial. Constata-se a ausência de estudos sobre o AT em contextos de CAPSi, enquanto vários trabalhos o inserem na escola, relacionado à educação inclusiva. Discute-se que as possibilidades do AT no tratamento oferecido nos CAPSi remetem à sua inserção no ambiente escolar, no qual o profissional precisa transitar entre as posturas pedagógica e terapêutica, considerando o caráter interdisciplinar e intersetorial desta prática. Os conceitos winnicottianos de holding e espaço potencial oferecem possibilidades de fundamentação teórica à prática do AT. A função do acompanhante se caracteriza pelo holding através do apoio e acolhimento, por meio de uma atitude empática que favorece a autonomia do acompanhado. Por outro lado, o acompanhante chama gradativamente o acompanhado à realidade através de uma relação de confiança e mediação com o ambiente. Apoiado na teoria de Winnicott, o estudo pretende contribuir com a fundamentação do planejamento e execução desta prática na atenção psicossocial.
Palavras-chave
Psicologia infantil; Crianças – Acolhimento terapêutico; Atenção psicossocial; Provisão ambiental (Winnicott)
Abstract
This study seeks to analyze the Therapeutic Accompaniment (TA) clinic with children in the context of psychosocial care, based on the concepts from Donald Winnicott\'s psychoanalytic theory. Mental health, as an object of study and intervention of medicine, psychology and psychoanalysis, as well as a social-political question, has been seen and reviewed from various angles throughout the ages. Since the Psychiatric Reform movement, the mental health policy in Brazil, which had tendencies towards exclusion, became a proposal based on anti-psychic principles and focused mainly on psychosocial care and rehabilitation. One of the most important results of this movement was the creation of substitutive services, especially the Psychosocial Attention Centers (CAPS). However, the care provided to children and adolescents who suffer from mental disorders continues to be precarious and scarce, compared to the services offered to adults, despite effective advances in the creation of the Child and Adolescent Psychosocial Care Centers (CAPSi). The TA is created in this context, as a modality of intervention that aims to promote the psychosocial reinsertion of those in mental suffering. The TA fits into the \'outer\' clinic, beyond the institutional walls, taking advantage of any place as a treatment space. In this clinic, the city, and no longer the asylums, becomes a space of experience and accompaniment of madness, happening in the city, in the interface established from the relationship between the assisted, the assistant and the public space. Through a bibliographic research, this study aims to analyze the clinical practice of TA with children, seeking to conceptualize and describe this proposal of practice in the field of mental health, examining its relation with the principles of Psychiatric Reform and psychosocial attention. It also intends to articulate the TA practice with concepts from Winnicott\'s theory, discussing its possibilities as a clinical strategy in the treatment offered to children at CAPSi. The results show the historical relation of TA to the Psychiatric Reform movement and to the proposal of resocialization in psychosocial care. It is verified that there is a lack of studies on TA in CAPSi contexts, while several studies place it in school, related to inclusive education. It is argued that the possibilities of TA regarding the treatment offered by CAPSi refer to its insertion in the school environment, in which the professional needs to move between the pedagogical and therapeutic postures, considering the interdisciplinary and intersectoral character of this practice. The winnicottian concepts of holding and potential space offer possibilities of theoretical foundation to the practice of TA. The function of the assistant is characterized by the holding through the support and reception, through an empathic attitude that favors the autonomy of the assisted. On the other hand, the assistant gradually calls the assisted to reality through a relationship of trust and mediation with the environment. Based on Winnicott\'s theory, the study intends to contribute with the foundation of the planning and execution of this practice in psychosocial attention.
Keywords
Child Psychology; Children - Therapeutic accompaniment; Psychosocial attention; Environmental provision
Instituto de Psicologia, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió, 2018.
Disponível em: http://www.repositorio.ufal.br/handle/riufal/3166